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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Me identifico: "A separação como um ato de amor"

É sabida a dor que advém de qualquer separação, ainda mais da separação de duas pessoas que se amaram muito e acreditaram um dia na eternidade desse sentimento. A dor de cotovelo corrói milhares de corações de segunda a domingo - principalmente aos domingos, quando quase nada nos distrai de nós mesmos -, e a maioria das lágrimas que escorrem é de saudade e de vontade de rebobinar os dias, viver de novo as alegrias perdidas.

Acostumada com essa visão dramática da ruptura, foi com surpresa e encantamento que li uma descrição de separação que veio ao encontro do que penso sobre o assunto, e que é uma avaliação mais confortante, ao menos para aqueles que não se contentam em reprisar comportamentos-padrão. Está no livro Nas tuas mãos, da portuguesa Inês Pedrosa.

"Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até os limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade."

Ela continua: 

"A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e manda, quase vegetal."

Calou fundo em mim essa declaração, porque sempre considerei que a separação de duas pessoas precisa acontecer antes do esfacelamento do amor, antes de iniciarem as brigas, antes da falta de respeito assumir o comando. É tão difícil a decisão de se separar que vamos protelando, protelando, e nessa passagem de tempo se perdem as recordações mais belas e intensas. A mágoa vai ganhando espaço, uma mágoa que nem é pelo outro, mas por si mesmo, a mágoa de reconhecer-se covarde. As discussões se intensificam e quando a separação vem, não há mais onde se segurar, o casal não tem mais vontade de se ver, de conversar, querem distância absoluta, e aí configura-se o desastre: a sensação de que nada valeu. Esquece-se do que houve de bom entre os dois.

Se o que foi bom ainda está fresquinho na memória afetiva, é mais fácil transformar o casamento numa outra relação de amor, numa relação de afastamento parcial, não total. Se o casal percebe que está caminhando para o fim, mas ainda não chegou ao momento crítico - o de tornarem-se insuportavelmente amargos -, talvez seja uma boa alternativa terminar antes de um confronto agressivo. Ganha-se tempo para reestruturar a vida e ainda preserva-se a amizade e o carinho daquele que foi tão importante. Foi, não. Ainda é.

"Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata- e é em nome desse intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim."


  • Martha Medeiros. 

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